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8 de fev. de 2010

Um outro projeto de desenvolvimento para o país

Manaus, AM

Trechos da resolução aprovada pela Executiva Nacional do PSOL em 12 de novembro de 2009

A antecipação da disputa eleitoral de 2010 é uma forte marca da situação política nacional. O governo e a oposição de direita movimentam-se para consolidar suas pré-candidaturas e alianças para 2010 e pretendem reeditar a falsa bipolarização. Pela primeira vez desde o fim da ditadura militar, Lula não será candidato; na América Latina os movimentos sociais e os governos não alinhados com os interesses norte-americanos na região continuam em resistência; a questão ambiental terá presença marcante no debate eleitoral; o enfraquecimento da doutrina neoliberal, deslegitimada pela recente crise econômica e financeira, permitirá o retorno ao debate nacional de temas estratégicos, como o tamanho e o papel do Estado, a forma de conduzir o país no contexto da crise econômica e financeira mundial e o caráter do projeto de desenvolvimento que deve ser assumido pelo Brasil nos próximos anos.

Neste debate não podemos desconsiderar os impactos da crise sobre o Brasil. Dados do próprio Banco Central apontam que a produção industrial no período de janeiro-agosto de 2009, comparada a do mesmo período do ano anterior, caiu 12,1%. A queda na arrecadação tributária da União foi da ordem de 7%. Já o Fundo de Participação dos Municípios teve redução de 24%.Dados da Fundação SEADE também apontam forte impacto negativo no nível de ocupação na Região Metropolitana de São Paulo.

Os dados acima estão longe de permitir que se conclua que a crise passou longe do Brasil e que tampouco a mesma já foi superada. Se, por um lado, a crise econômica e financeira mundial não se transformou em crise política aberta, não devemos, por outro lado, deixar de reconhecer que o ônus da crise está sendo socializado ao conjunto da população e tem no Estado seu principal desaguadouro, com quedas de arrecadações, políticas de socorro a bancos e empresas quebradas, desindustrialização da economia etc. Este debate que se abre deve considerar a extrema desigualdade social e a pobreza que persiste no país, os limites impostos pela crise climática e ambiental à lógica de acumulação e ao padrão de consumo capitalista, a inserção do país na geopolítica mundial nesta nova conjuntura inaugurada pela crise internacional, bem como a maneira de tratá-la.Na conjuntura que transcorreram as eleições de 2006, o tema corrupção ocupou importante espaço na disputa. Já na conjuntura que transcorrerão as eleições de 2010, tende a prevalecer um contexto de maior complexidade política.

Diante desta situação paradoxal, onde duas alternativas confiáveis do capital disputam ardilosamente o voto do “centro”, o governo tem desenvolvido uma política ofensiva buscando associar a candidatura de Dilma (PT/PMDB) a um perfil mais “popular/desenvolvimentista”. A força de Lula também tem exercido forte poder de atração dos partidos que integram a base de sustentação do governo em favor da candidatura de Dilma. Soma-se a isto o peso da máquina governamental; o apoio da maioria dos prefeitos, governadores e parlamentares, além de vultosos recursos financeiros do empresariado. Tudo indica, portanto, que caminhamos para a reedição da bipolarização conservadora na disputa eleitoral entre Dilma e Serra, com uma forte tendência de que o governo consiga equilibrar a disputa já no primeiro turno das eleições. Esta situação bipolar que tende a se confirmar exige do PSOL não uma postura passiva, mas uma ação firme no sentido de buscar quebrar a bipolaridade. Devemos apresentar ao povo brasileiro uma alternativa política que represente um outro projeto de desenvolvimento para o país, socialmente justo, ambientalmente sustentável e radicalmente democrático, onde a defesa de reformas estruturais seja parte de uma plataforma política mais global, que tenha como eixo o enfrentamento da grave situação social do país e a defesa de um modo de produzir e consumir compatível com os limites ambientais, além de estar comprometido com as demandas populares hoje sintetizadas nas reivindicações dos principais movimentos sociais, popularese sindicais.

É preciso analisar ainda o sentido contraditório da pré-candidatura de Marina Silva (PV). Num momento em que a agenda ambiental ganha força no debate nacional e internacional, a saída da ministra do governo representa um incômodo na disputa presidencial. O governo tem um enorme passivo ambiental resultante de um modelo de desenvolvimento produtivista que tem privilegiado o agronegócio e a indústria automobilística sem qualquer compromisso com as questões ambientais.No entanto, o discurso político que vem sendo adotado pela pré-candidatura de Marina tem indicado sérias limitações para o enfrentamento desta polarização. Sua plataforma sócio-ambiental não está apoiada em uma crítica mais global da política de desenvolvimento do atual governo e não contém uma crítica da política econômica iniciada por FHC e continuada por Lula. A defesa de uma plataforma sócio-ambiental que não esteja vinculada com a necessidade de mudança da política macroeconômica levará à cristalização de uma imagem pública de que se trata apenas de uma divergência temática, sem maiores conseqüências com relação à política mais global do governo, e que inclusive pode ser absorvida pela candidatura oficial. Não é à toa que Dilma foi escalada por Lula para chefiar a delegação brasileira na Conferência do Clima em Copenhague.

Soma-se aos limites de seu discurso o ecletismo do PV quanto à política de alianças. De concreto podemos dizer que Marina surge no cenário como um fator imprevisto e que precisa ser debatido amplamente pelo partido assim como a opção de candidatura própria.

Uma política para enfrentar a polarização

Ainda que o governo goze de uma grande popularidade e tenha conseguido construir um espaço político de diferenciação com a direita mais conservadora, não houve nos últimos oito anos qualquer mudança qualitativa na estrutura social brasileira e muito menos nos mecanismos de poder. A força do lulismo apóia-se, em grande medida, na grande redução de expectativas da maioria da população na possibilidade de um projeto de transformação social. Neste sentido, a derrota histórica mais importante do ciclo iniciado nos anos 80 está justamente no conformismo social decorrente da adesão do governo à administração do capitalismo brasileiro, associado ao fato de que neste processo não tenha surgido uma alternativa social e política com força suficiente para contrapor-se a esta lógica. A questão crucial para a formação de uma consciência crítica e para o fortalecimento do PSOL está no enfrentamento desta nova agenda política aberta pela crise econômica e pelos limites que a mesma aponta sobre o modelo de civilização capitalista. Em primeiro lugar, é necessário identificarmos quais as forças sociais e os interesses que dão sustentação ao projeto hegemônico do lulismo. Nosso ponto de partida para esta análise é que a burguesia brasileira identificou no lulismo uma força política capaz de coordenar os interesses capitalistas nacionais em suas pretensões de ocupar uma maior fatia do mercado latino-americano e mesmo mundial.

Mas aqui há uma diferença de estratégia entre Lula e FHC, construída na transição entre o neoliberalismo mais engajado e o social-liberalismo praticado pelo petista. A estratégia lulista pressupõe seu fortalecimento político enquanto gestor de um Estado com um pouco mais de capacidade de coordenação da atividade econômica, da manutenção da presença estatal em algumas áreas estratégicas e da ampliação de uma rede de políticas sociais através dos programas de distribuição de renda. É esta força que dá ao lulismo o poder de interlocução e de coordenação dos interesses capitalistas nacionais, ao mesmo tempo em que garante a um custo muito pequeno, se comparado com os gastos financeiros ou com os investimentos do governo, uma larga rede de assistência social através dos programas de transferência de renda.
Esta gestão dos interesses capitalistas nacionais é parte de uma estratégia que busca consolidar o Brasil enquanto um país subimperialista na região, em um cenário em que o país poderá ocupar a posição de 5ª economia do mundo até 2014.

A estas contradições, soma-se a incapacidade do governo em contribuir com o esforço para deter a grave crise ambiental. Na verdade, apesar do jogo de cena que antecede a Conferência do Clima em Copenhague, o governo tem contribuído para que o Brasil se torne cada vez mais responsável pela emissão dos gases formadores do efeito estufa, seja por sua leniência em relação ao desmatamento na Amazônia e pela complacência ao ataque dos ruralistas contra a legislação ambiental, seja por vincular seu modelo de desenvolvimento à utilização, sem preocupações ambientais, do petróleo do pré-sal.

Fortalecer o PSOL

Estes elementos devem servir de base para que o PSOL faça a análise da correlação de forças entre as classes sociais em luta, especialmente sobre a força da burguesia brasileira e do lulismo, para chegar a uma definição sobre qual política deve ser adotada neste período. As eleições de 2010 serão um importante espaço para a defesa de um novo projeto de desenvolvimento, globalmente distinto e que tenha como eixo fundamental o enfrentamento da grave questão social brasileira, a partir de uma forte política de distribuição de renda, compatível com os limites ambientais e sintonizado com um projeto de integração regional sobre bases solidárias e soberanas.

A defesa deste programa, baseado em um outro projeto de desenvolvimento e comprometido com a defesa das reivindicações concretas dos movimentos sociais, é o que pode dar base política para o estabelecimento de alianças com outros setores que não se sentem representados nem pela alternativa petista e nem pela tucana. E esta identificação do PSOL com a defesa de um projeto de mudança social só será possível fortalecendo nossa inserção social e nossa organização partidária, ao mesmo tempo em que agitemos um programa e uma política alternativa. Desenvolver este debate junto ao conjunto da militância e dos setores sociais que colocam-se na condição de aliados, considerando a necessidade de buscar um ponto de equilíbrio e de unidade, será a principal tarefa do partido no próximo período.

(Texto publicado em http://www.psol.org.br/)

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