Manaus, AM
É assim que esbraveja um apresentador em rede nacional de TV, num programa que dá esculachos em tudo e parece ser o palanque nacional para reclamações das pessoas, sem esquecer o bombardeio de impropérios contra os Direitos Humanos.
O presente texto traz ao debate algumas questões sobre violência urbana e banditismo.
O Brasil e o Amazonas assistiram nos últimos meses ao noticiário intenso sobre casos criminais que trouxe muitas dúvidas à opinião pública. Nas muitas coisas que aconteceram, quase todas aparentemente são contraditórias entre si e por isso mesmo têm de ser melhor aclaradas.
Ao homem comum, que não teve oportunidade de refletir sobre o assunto, resta a mistura de sentimento de impunidade em algum momento, logo adiante sentimento de justiça feita e a sensação de insegurança, não necessariamente nessa ordem. No dizer de muitos as leis são mal feitas e somente resta desconfiar das instituições judiciárias (polícias, ministério público e os tribunais).
A sucessão de fatos é tão brutalmente torrencial e complexa que à primeira vista se torna caótica. Citemos alguns: em Luziânia-GO, um pedreiro libertado devido à progressão da pena (talvez fosse doente mental e nem apenado poderia estar) volta a matar seis jovens depois de violência sexual e que depois morre em circunstâncias suspeitas dentro de uma delegacia; em São Paulo-SP, um jovem adepto de seita de práticas exóticas que mata o líder da comunidade religiosa (Cadu e o cartunista Glauco); em Manaus-AM, deputado preso acusado de participar de organização criminosa que mata, trafica e corrompe autoridades (Wallace Souza) é beneficiado com a concessão de prisão domiciliar; em São Paulo-SP, casal é condenado a penas extensas por matar a própria filha (Casal Nardoni e Isabela Nardoni) num processo criminal amplamente coberto pela imprensa e que tem uma linha de defesa bem ousada; ainda em São Paulo-SP, um jornalista que matou a ex-namorada e que recorre em liberdade (Pimenta Neves e jornalista); no Rio de Janeiro-RJ, traficante condenado é preso sob Regime Disciplinar Diferenciado em prisão federal (Fernandinho Beira-Mar) e em diversas partes do Brasil, grupos de pessoas (dos Direitos Humanos – assim chamados) defendendo melhorias no cárcere e no atendimento aos prisioneiros.
A tarefa é grande, mas vamos lá.
O primeiro passo é distinguir banditismo de violência urbana simples (dita corriqueira). Somente assim é que poderemos localizar alguns elementos do direito penal e do direito processual que foram aplicados aos diversos casos ocorridos. Do contrário, as coisas continuariam ainda caóticas.
Os fatos narrados acima seriam agrupados em dois blocos: casos de banditismo e casos de violência urbana inqualificada. No primeiro podemos enquadrar o caso Wallace e o caso Fernandinho Beira-Mar, em que está presente o elemento de transgressão da lei para obtenção de vantagem ilícita. No segundo podemos enquadrar os demais casos, pois estes reúnem situações-tipo diversas (doença mental, uso de entorpecentes, desequilíbrio insano temporário e passionalidade).
Sempre digo que talvez Fernandinho Beira-mar nunca tenha fumado um pacau de maconha, mas é o maior traficante de drogas do Brasil. Já Wallace Souza é acusado de engendrar todas essas barbaridades para adquirir e manter algum poder político neste estado, a despeito de já ter sido membro da polícia civil e exercer à época alto cargo público.
Estudos mostram que mais de 80% dos homicídios autor e vítima se conhecem e a prevalência de uso de drogas e bebidas alcoólicas é altíssima. Vê-se que tal violência é muito diferente dos casos do banditismo do traficante carioca ou do ex-parlamentar amazonense.
A cada caso então se consuma necessária uma resposta do Estado. No caso da violência urbana inqualificada está mais para políticas públicas de educação, de geração de trabalho e renda, de cultura e lazer, de habitação e urbanização, de assistência íntegral à saúde e social. No caso de banditismo a resposta evidentemente deve ser outra, que não outra se não a repressão e aplicação adequada, no mínimo severa, da legislação penal e processual penal.
E é aí que entra o tal dos Direitos Humanos e sua turma. Pensar que os Direitos Humanos estão para atrapalhar o processo punitivo é pensar reduzido ou superficialmente ou escamotear um problema que a sociedade pós-moderna ainda não solucionou, qual seja o poder estatal irresistível. Em outras palavras, os Direitos Humanos têm a nobre e difícil missão de frear o Estado frente ao seu poder ilimitado de infligir ao indivíduo pena, sofrimento ou privação de liberdade e propriedade. As prisões ilegais e abusivas estão aí como prova, bem como as penitenciárias que mais são masmorras e não cárcere como definido na lei de execução das penas. Soma-se a isso a inexistência de políticas públicas eficazes aos problemas sociais que apenas podem ter consequência criminais, mas que não são criminais.
E o que os Direitos Humanos tem a dizer a respeito? De maneira simples esclarecemos que a resposta estatal deve ser adequada. E nisso o Estado Brasileiro tem falhado. Vejamos.
No caso de Luziânia-GO, o pedreiro matador (agora morto também) jamais poderia ter sido apenado, evidente que está, pois era um doente. Assim nunca mereceu pena, mas sim tratamento psiquiátrico, que nunca teve. Sua liberdade legalmente operada pelas regras da progressão da pena e que a imprensa insiste em questionar foi corretamente aplicada. Mais honesto seria questionar o porquê do pedreiro nunca ter sido assistido por serviço médico. O coitado voltou a matar porque não foi tratado pela medicina do século XXI. E por que morreu, se estava sob a custódia do Estado? Morreu porque o Estado mais uma vez falhou.
No caso do jovem adicto é a mesma coisa, o crime cometido escapa ao alcance de qualquer serviço policial, por mais eficaz que seja. O jovem é mais uma vítima dos graves e desumanos descalabros da saúde pública, já que até hoje o Brasil não aplica verbas em níveis minimamente aceitáveis em prevenção e tratamento de adictos bem como assistência às suas famílias. Para este jovem um tratamento ambulatorial teria sido a solução adequada a prevenir esse drama. Mais outra falha do Estado e da sociedade brasileiros.
Agora nos casos Pimenta Neves e Casal Nardoni por mais estranho que possa parecer a aplicação da pena deve ser considerada somente no seu caráter retributivo. Os três acusados não são matadores contumazes nem tampouco serão a partir dessas condutas. Mas o imbróglio resiste, já que não “entra na cabeça” de ninguém como é que crimes de mesma natureza (a rigor quase parecidos) têm desfechos diferentes: Pimenta Neves recorre em liberdade e leva (como deveria ser) uma vida pacata num bairro da capital paulista ao passo que o Casal Nardoni é defenestrado com penas extensas, sem olvidar que durante todo o processo esteve encarcerado. No imaginário comum das pessoas naquele a justiça não foi feita, neste a justiça foi bem feita (com direito a foguetório exaustivamente reprisado na TV).
Concluo que o ponto de início da solução para tais questionamentos se dará por um amplo debate nacional das seguintes questões: prisão temporária, prisão preventiva, progressão de pena, regras da execução penal, medida de segurança, liberdade condicional, saída temporária, tratamento (psiquiátrico) ambulatorial e internação, causas do banditismo e da violência urbana inqualificada e o caráter da pena: retributivo, pedagógico e reeducativo. Sem discussão profunda e esclarecimentos sobre esses elementos não conseguiremos ir para a próxima quadra de um país justo e de paz social. Talvez nem seja o caso de reformas, mas apenas esclarecimento do que são estes institutos dos direitos penal e processual penal pátrios. Registre-se: nesse assunto a imprensa até hoje prestou um péssimo serviço.
Reitero, finalmente, que a sociedade não pode prescindir dos Direitos Humanos, já que estes são os limites para a ação estatal, e muito no Brasil, um país em que em resposta aos males sociais as autoridades públicas insistem dar resposta policialesca, criminalizante e violenta, quando deveria instituir políticas públicas amplas e adequadas a eles.
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